ALGUMAS FUNÇÕES DA NOVELA
É muito interessante observarmos
o quanto as novelas mobilizam o imaginário das pessoas. Hoje as pessoas estão
voltadas para o fim da novela da “Carminha”, que curiosamente chama-se: “Av
Brasil”.
Av. Brasil é um lugar de passagem de muitas
pessoas diariamente, tal qual a novela das 20h. Nós que trabalhamos com subjetividade não
podemos deixar de pensar o que é que faz com que as pessoas fiquem tão aderidas
a este programa diário, que vira um “acontecimento social”.
A hipótese primeira e muito
difundida é a de que as novelas com seus enredos dramáticos, cômicos, repletos
de personagens caricatos, oferecem aos sujeitos uma possibilidade diária (conta
gotas) de “felicidade” (válvula de escape de um cotidiano opressivo, violento e
vazio), através de um processo de identificação com algumas falas e expressões reprimidas
dos sujeitos.
A crítica à passividade diante da
telinha há muito é feita pelos intelectuais (o Videota). No entanto, cabe àqueles
que trabalham com o psiquismo alertar as pessoas para o fato de que é possível
se render a este “prazer”, assim como o fascínio das redes sociais, mas é
fundamental que se utilize essas ferramentas com algum discernimento. E para
isso, é necessário “treinar”, exercitar, um olhar crítico. Ou seja, a novela,
os joguinhos virtuais e o FB, não devem tomar o lugar das saídas com os amigos,
da leitura de um bom livro, da degustação de uma boa comida e bebida com
aqueles que estão a sua volta, não substitui o namoro, o cinema e tampouco o
olho no olho de uma conversa franca.
Os atalhos – estes entretenimentos
- estão aí, não são sempre indesejáveis, mas não substituem o Caminho.
Uma excelente forma de ver uma
novela ou um filme é poder extrair dali a complexidade do funcionamento
psíquico. Sem julgamentos, mas com plena atenção, o sujeito pode observar as
idas e vindas dos sujeitos: a inveja, a raiva, o amor, a generosidade, o
arrependimento e um mundo de sentimentos /pensamentos existentes nestes
personagens.
Atualmente, a excelência dos
atores faz com que a profusão de sentimentos humanos seja altamente explorada
(expressa), isto permite aos sujeitos se perceberem, assim como, perceberem aqueles
com quem se relacionam (sem tantos embates reais e “perigosos”). Então, estamos
falando aqui de um limite tênue, onde a novela pode ajudar ou atrapalhar a
elaboração de conflitos psíquicos. Ajuda, por exemplo, quando o sujeito pode
ver a si mesmo (identifica-se com algo desejável ou indesejável) e ao ver isso
se encanta ou se assusta e se propõe uma mudança, atrapalha quando o sujeito ao
identificar-se reforça e justifica egoicamente esse aspecto doentio em si, sem
questionar sua origem ou mesmo sem vislumbrar uma transformação disso.
Finalmente, quero dizer a todos
que nós psicanalistas estamos muito atentos às Carminhas, Santiagos, Tufões,
Ninas, Ritas, Max, Lucindas, Jorginhos, Monalisas, Suelen e muitos outros
funcionamentos psíquicos mais ou menos grotescos, caricatos e os acolhemos, os traduzimos,
compreendemos, humanizamos e delicadamente propomos transformações que os
tornem Seres plenos e verdadeiros para longe de suas defesas inconscientes que
os tornam estereotipias de autômatos ambulantes. Porque entendemos que tudo
isso faz parte daquilo que chamamos vida psíquica e que a mesma é dinâmica,
para além do Bem e do Mal e que porta contradições, desafetos e mal estar. Esta
dinâmica da vida psíquica requer entendimento
e compreensão a partir das totalidades
contextuais de suas histórias de vida. Por isso é importante desatar nós
internos e resgatar a essência de cada um.
Desejo que todos possam se pensar
e se compreender usando todos os recursos existentes reais e atuais e que a novela, o romance, o
livro ou o cinema possam servir de ponta pé para isso. De outra forma, usaremos
o pé para outra função menos dignificante: para chutar o balde de nós mesmos ...
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