O CONSUMO NA ATUALIDADE
É
interessante pensarmos como algumas dificuldades cotidianas refletem situações
que nos exigem uma consciência clara do que queremos e necessitamos.
Penso
sobre a situação que algumas vezes nos deparamos de precisar e querer comprar
um novo sapato, calça comprida, uma bolsa, ou algo desta ordem.
Quando
sentimos esta necessidade/desejo, inicia-se um processo subjetivo de buscarmos
tempo hábil em nossas rotinas para realizar tal intento.
Isto
em si, não é algo fácil, mas se bem pensado, passível de ser planejado. Digo
isso, pois acho que esta é a primeira dificuldade do processo e muitas vezes
não chega a ser pensado como uma dificuldade. E sim como algo a ser feito por
aí, à “qualquer hora”.
Quando
não se dá tempo para realizar este ato, a chance de se comprar algo equivocado
é muito maior. Em geral, as pessoas, pensam que numa rápida passada de fim de
semana no shopping, olharão as vitrines e se depararão com aquilo que julgam
“procurar”.
As
aquisições feitas a partir deste movimento, em geral, são dispendiosas,
desnecessárias e inadequadas. Fazendo com que aquele que comprou não use aquilo
que adquiriu ou se sinta culpado por não ter “sabido” escolher bem aquilo que
“procurava”.
A
pergunta é: o sujeito procurou? Antes disso, o sujeito sabia aquilo que necessitava
e desejava? Caso saiba deu espaço e tempo para achar?
Percebo
que muitas vezes, este processo subjetivo não se completa, por que o sujeito se
vê absolutamente “sem tempo”, ou interditado internamente (culpa), ou
desautorizado a gastar (consumir) com algo e muitas vezes sem motivação ou
desejo de investir neste ato.
Estamos
aqui falando de um movimento que faz parte da vida de todos, pois precisamos
adquirir objetos, mas um movimento que parece silencioso, individual demais, e
que não é passível de ser compartilhado.
É
exercido quase que na clandestinidade, como uma ação que deve ser praticada
rapidamente. Alguns dirão que, ao contrário, o consumo hoje é muito barulhento,
visível, e demasiado. Concordo, há uma face do consumo que cumpre justo esta
mecânica, mas este modo de consumir parece ser uma defesa inconsciente para não
se colocar de novo a possibilidade e necessidade de estar diante de uma escolha
consciente.
Compra-se
compulsivamente para não ter que lidar com a compra real, necessária, e
desejante (escolha). E de tanto não fazer de uma forma apropriada, o sujeito
acaba por desconhecer em si esta possibilidade.
Isto
posto o sujeito o qual pensa sua necessidade/ desejo de consumir algo, se dá
este tempo e espaço para o consumo e o que encontra nos Shopping Centers? Uma
avalanche de coisas que nada tem a ver consigo mesmo, enquanto hábito de
consumo, conforto, praticidade, qualidade e bom preço.
Depara-se
com muitos vendedores, vitrines e objetos que respondem por “tendências”. O
sujeito começa a se sentir meio “E.T.”, e adere, com alguma resistência, à
“'tendência”, abrindo mão dos seus critérios para uma boa e singular escolha ou
inicia um processo de sentir-se um pouco frustrado, “fora da realidade”, podendo
adiar sua compra. Mas, continua necessitando/ desejando os objetos.
O que
fazer quando se veste 40 e os tamanhos G das lojas não cabem?! Mudaram a
padronagem ou as pessoas todas emagreceram, e não é elegante se questionar
isso? Todos têm que vestir 38 e se isso não acontecer devemos mais uma vez nos
sentir culpados e jurarmos que não comeremos mais chocolates?
O
sujeito se pergunta onde foram parar as calças (jeans) clássicas? Clássicas?! O
que é isso? Repete o vendedor, com ares
de perplexidade. Aquelas calças que tem cortes retos, bocas que te permitem
algum movimento, que não sejam totalmente coladas nas pernas do início ao fim,
diz o sujeito se sentindo um dinossauro.
A
resposta quase sempre é de total desconhecimento e descaso. O sujeito, segue
sua jornada e tenta comprar um sapato de qualidade, confortável e com um preço
justo. Encontra-se com sapatos psicodélicos, caríssimos e totalmente
desconfortáveis. O vendedor não hesita em dizer que ficou ótimo e o sujeito
desanimado não consegue nem discordar. Sai da loja e se convence que terá que
dedicar muito mais tempo e espaço para este ato, que um dia, foi simples,
quando não havia tantas ofertas de produtos, tendências e preços proibitivos,
fora do parâmetro mundial. Ou totalmente desistente.
Ficamos todos ricos, magérrimos e
despreocupados com aquilo que queremos e necessitamos ou desistimos de desejar?
De minha parte, quero compartilhar que atualmente para comprar algo tenho
dedicado bastante tempo à isso e estou consciente da necessidade em fazê-lo.
Não quero/posso comprar algo que realmente não desejo/ necessito, daí a
exigência do trabalho “psíquico”.
Penso
que enquanto dedicamos uma quantidade de energia em realizar este ato, nos
trabalhamos também internamente. É muito interessante perceber que é possível
encontrar aquilo que realmente se identifica, quer e precisa por um preço
justo.
Outro
exemplo de consumo tumultuado, confuso e agitado está no consumo de
entretenimento. Ir atualmente ver um filme no cinema é algo a ser planejado com
algumas horas de antecedência e arranjado com um tempo razoável de chegada ao
local. Se a necessidade /desejo é de escolher um filme que se goste e que se
possa tomar um café e dar uma olhada na livraria.
Percebi
um dia destes, esse processo claramente quando me coloquei a necessidade de
escolher com antecedência pelo jornal e internet o filme e o local para vê-lo
(isso leva um tempinho), depois, chegar ao local com pelo menos uma hora de
antecedência se o sujeito quiser se desobrigar de passar pelo lento processo de
comprar pela internet e pagar pela taxa de serviço.
Feito
isso, você terá que estacionar o carro, o que significa procurar um
estacionamento (com vagas), quando finalmente o sujeito chega ao cinema, o café
do cinema, que tem salgadinhos e docinhos absolutamente normais com preços de
delicatessen, exibem filas quilométricas.
Ou
seja, se o sujeito não tiver reservado ao menos 20 mins para estar na fila e 15mins
para comer, não poderá fazê-lo. Os banheiros estão com sinais claros de
superlotação, seja pela dificuldade de manutenção, seja pelas filas que muitas
vezes, nos atrasam para o início do filme. Então, parei e olhei algumas pessoas
neste processo de “dar conta” de chegar num cinema, comprar seu ingresso
(depois de uma “boa” fila), comprar seu café (outra grande fila) e finalmente
irem ao banheiro e me pareceu que estivessem quase numa maratona. Chegam à sala
do filme, exaustas!
Para
passar por tudo isso respirando e tranquilo é, mais uma vez, necessário dedicar
tempo a esta ação.
Escrevo
sobre isso porque penso poder ajudar aqueles que já desistiram de realizar
estes atos, ou para aqueles que o fazem solitária e depressivamente sem
compartilhar suas angústias para transformá-las. É possível realizar este
prazer sem ser devorado por essa forma selvagem de consumo.
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